sexta-feira, 14 de novembro de 2008

DEIXO-VOS A PAZ

«Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz»

Na provação, o homem que não quer nem deseja sinceramente se não a Deus deve refugiar-se Nele e esperar com paciência que a paz regresse. [...] Quem sabe onde e como agradará a Deus voltar a cumulá-lo dos Seus dons? Coloca-te pacientemente ao abrigo da vontade divina, que vale cem vezes mais do que os impulsos de uma virtude brilhante. [...] Porque os dons de Deus não são o próprio Deus, e só Dele devemos gozar, e não dos Seus dons. Mas a nossa natureza é de tal maneira ávida, de tal maneira voltada para si mesma, que se insinua por toda a parte, apoderando-se daquilo que não lhe pertence, e manchando assim os dons de Deus, impedindo a nobre acção de Deus. [...]
Mergulha, pois, em Cristo, na Sua pobreza e na Sua pureza, na Sua obediência, no Seu amor, e em todas as Suas virtudes. Foi Nele que foram concedidos ao homem os dons do Espírito Santo, a fé, a esperança e a caridade, a verdade, a alegria e a paz interiores, no Espírito Santo. É também Nele que se encontra o abandono e a suave paciência, e tudo se recebe de Deus com um coração semelhante.
Tudo quanto Deus Se permite decretar, seja prosperidade ou adversidade, alegria ou dor, tudo isso deve concorrer para o bem do homem (Rom 8, 28). A menor das coisas que acontecem ao homem é eternamente vista por Deus, pré-existe Nele, acontece como Ele a quis, e não de outra forma. Estejamos pois em paz! Essa paz em todas as coisas que só se aprende no verdadeiro desprendimento e na vida interior. [...] Tal é a herança do homem nobre que está solidamente fixado no repouso da alma em Deus, no desejo de Deus, que ilumina todas as coisas; tudo isso é purificado passando por Cristo[1].

Jean Tauler (c. 1300-1361),
dominicano de Estrasburgo; Sermão 23, para o domingo depois da Ascensão.
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[1] Evangelho segundo S. João 14,27-31.
«Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde. Ouvistes o que Eu vos disse: 'Eu vou, mas voltarei a vós.' Se me tivésseis amor, havíeis de alegrar-vos por Eu ir para o Pai, pois o Pai é mais do que Eu. Digo-vo-lo agora, antes que aconteça, para crerdes quando isso acontecer. Já não falarei muito convosco, pois está a chegar o dominador deste mundo; ele nada pode contra mim, mas o mundo tem de saber que Eu amo o Pai e actuo como o Pai me mandou. Levantai-vos, vamo-nos daqui!»