segunda-feira, 4 de julho de 2011

AOS SURDOS E AOS CEGOS...

“Aquele que tiver ouvidos, oiça!”

Estas são as palavras de Jesus que hoje ouvimos, talvez sem a elas prestarmos a devida atenção. Mas lembremos o que o povo – aquele de que Jesus falava no passado domingo, “os pequeninos”, aqueles que “são mansos e humildes de coração” –, diz e com muita razão: “Não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir”.

É este surdo que não guarda a palavra de Deus, é no seu coração que a semente não dá fruto, porque o seu coração não só é pedregoso, mas é mesmo um rochedo impenetrável, onde nem a água cristalina penetra, tão grandes são a sua impermeabilidade e dureza.

Jesus fala em primeiro lugar de surdos muito particulares, aqueles que ouvindo as Palavras divinas, não prestam a estas a mínima atenção, são daqueles de quem se diz que “as palavras entram por uma orelha e logo saem pela outra”, porque são superficiais: é como se aquelas palavras, aquelas “sementes caíssem à beira do caminho e viessem as aves e as comessem”.

Existem outros surdos que escutam – por ventura menos surdos –, mas nem por isso são suficientemente permissíveis, porque os seus corações vivem outros interesses, buscam outras seduções, as seduções que o mundo lhes oferece e lhes parecem rosas – mesmo se espinhosas – e que eles preferem, por isso mesmo as palavras divinas “logo brotaram, porque a terra era pouco profunda; mas, logo que o sol se ergueu, foram queimadas e, como não tinham raízes, secaram”.

Outros ainda, não completamente surdos, mas por assim dizer impenetráveis ou pouco atraídos pelas divinas Palavras, ouvem sem ouvir: os seus corações estão demasiado virados para os afazeres momentâneos, para as preocupações meramente materiais e neles também a Palavra parece cair como “entre espinhos e, os espinhos cresceram e sufocaram-nas”.

Nestes e nos outros, “cumpre-se a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis; e, vendo, vereis, mas não percebereis. Porque o coração deste povo se tornou duro, e duros também os seus ouvidos; fecharam os olhos, não fossem ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, compreender com o coração, e converter-se, para Eu os curar”.

Foi certamente por causa deste estado dos ”surdos” e até mesmo dos “cegos” que não vêem porque não querem ver que Jesus acrescentou ainda, na explicação que dá aos seus ouvintes de então e a nós também: “àquele que tem, ser-lhe-á dado e terá em abundância; mas àquele que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado”.

Será que vamos continuar surdos à Palavra de Deus? Vamos nós obstinar-nos numa cegueira culpável para nada ver à nossa volta das maravilhas de Deus?

Ouçamos e prestemos atenção à recomendação de Jesus, que se destinava não só àqueles que então o escutavam, mas a nós todos que hoje ouvimos a sua Palavra: “Que tiver ouvidos, oiça!” E ainda, poderia Ele acrescentar: “Quem tem olhos para ver, veja!”

Mas como nós corremos o risco de nada compreendermos, como foi o caso dos seus discípulos, Ele explica com carinho o que nesta parábola Ele nos quer concretamente dizer, porque a nós também “é dado conhecer os mistérios do Reino do Céu”, e porque “ditosos os nossos olhos, porque vêem, e os nossos ouvidos, porque ouvem”:

“Quando um homem ouve a palavra do Reino e não compreende, chega o maligno e apodera-se do que foi semeado no seu coração. Este é o que recebeu a semente à beira do caminho”.

Estes parecem ser aqueles que “são superficiais”, aqueles nos quais as palavras “entram por uma orelha e logo saem pela outra”, aqueles que se deixam facilmente e sem luta, convencer pelas manhas do demónio que muitas vezes nos cega e nos torna surdos.

Jesus explica ainda:

“Aquele que recebeu a semente em sítios pedregosos é o que ouve a palavra e a acolhe, de momento, com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, é inconstante: se vier a tribulação ou a perseguição, por causa da palavra, sucumbe logo”. Estes não serão aqueles que “por ventura são menos surdos”?

“Aquele que recebeu a semente entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo e a sedução da riqueza sufocam a palavra que, por isso, não produz fruto”. São estes os “impenetráveis”, aqueles que nada mais desejam do que os prazeres do mundo, o gozo passageiro contra o gozo eterno, aqueles que se esquecem “que os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória que há-de revelar-se em nós” (Rm. 8, 18).

Pelo contrário, prossegue Jesus explicando: aquele que recebeu a semente em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende: esse dá fruto e produz ora cem, ora sessenta, ora trinta” por cento.

Se assim formos nós, ouviremos da boca do Senhor estas palavras tão cheias de carinho, tão cheias de amor:

“Cuidaste da terra e a tornaste fértil”, “vicejam as pastagens do deserto, as colinas vestem-se de festa”, “os campos cobrem-se de rebanhos e os vales enchem-se de trigais” (Sl 65), vem, bendito de meu Pai, toma posse do Reino que te está preparado desde a criação do mundo” (Mt. 25, 34).

Continuemos o nosso dia a dia, na presença de Deus, seguros do seu Amor, e lembremo-nos o que diz tão justamente São Cirilo de Jerusalém, comentando este Evangelho: Aquilo que foi criado para nós morre e renasce.
Ámen.
Afonso Rocha
Comentário para o XV Domingo do tempo comum da Igreja - A

sábado, 2 de julho de 2011

XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM DA IGREJA

“Vinde a Mim, todos que estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei”

Na primeira frase do Evangelho de hoje encontramos uma frase que pode surpreender à primeira vista: “Escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes”, diz Jesus numa prece que Ele dirige ao seu celeste Pai.
Porque esconder as verdades, se elas são para ser ditas e conhecidas?

Mas o nosso Deus não as escondeu a todos: unicamente “aos sábios e inteligentes”, quer dizer àqueles que pensam tudo saberem, tudo compreenderem e não precisarem das sugestões dos outros, sobretudo se estes “outros” são simples gentes do povo, aqueles que os grandes consideram quase como inúteis, que eles em geral desprezam.

Mas Jesus logo explica o porquê desta sua prece: “e as revelaste aos pequeninos”. Ora estes “pequeninos” são justamente aqueles de que há pouco se falou, aqueles que “são simples gentes do povo”, aqueles que os ricos “consideram quase como inúteis, que eles em geral desprezam”. Foi a esses que o nosso Deus revelou todas estas verdades que acolhidas com humildade e amor, nos levam ao Paraíso onde Deus mora e onde quer que nós habitemos também com Ele.

Esta escolha de Deus agrada ao Filho, porque Jesus logo continua a sua prece fervorosa, agradecendo: “Sim, Pai, Eu Te bendigo, porque assim foi do teu agrado”.

Sejamos destes “pequeninos” aos quais Deus revela as divinas Verdades, aos quais o nosso Deus que é Amor, mostra tanto carinho, tanta solicitude, solicitude tão grande e tão desproporcionada que o levam a querer-nos junto do seu divino Trono para toda a eternidade.
Depois de nos explicar que “ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”, Jesus chama cada um de nós, com carinho, com imensa solicitude e sem qualquer excepção:
“Vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve”.

E porque não iríamos a Ele, nós que O procuramos? Sim, como diz Santo Agostinho, o grande Bispo de Hipona e Padre da Igreja nas suas Confissões: Os que O procuram encontrá-lo-ão, e os que O encontram louvá-lo-ão. Portanto, que eu te procure, Senhor, invocando-te, e que te invoque, acreditando em ti!”

Como não diríamos como o salmista?

“Quero exaltar-Vos, meu Deus e meu Rei, e bendizer o vosso nome para sempre; quero bendizer-Vos, dia após dia, e louvar o vosso nome para sempre”.

Ou ainda, e quase para terminar:

“O Senhor é fiel à sua palavra e perfeito em todas as suas obras. O Senhor ampara os que vacilam e levanta todos os oprimidos”.

Simplesmente porque “o Senhor é clemente e compassivo, paciente e cheio de bondade. O Senhor é bom para com todos e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas”.

Todas estas características divinas devem ser para nós fermento que levante a nossa massa espiritual e que esta seja capaz de agradecer e de proclamar como o mesmo salmista:

“Graças Vos dêem, Senhor, todas as criaturas e bendigam-Vos os vossos fiéis. Proclamem a glória do vosso reino e anunciem os vossos feitos gloriosos”.

Amém

Afonso Rocha