quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

QUEM OLHA PARA TRÁS...

«Quem olha para trás, [...] não está apto para o Reino do Senhor»

Meus caros, Paulo, o apóstolo dos pagãos, não contradiz a nossa fé quando diz: «Ainda que tenhamos conhecido a Cristo à maneira humana, agora já não o conhecemos assim» (2 Co 5,16). A ressurreição do Senhor não pôs um termo à sua carne; transformou-a. O aumento da sua força não destruiu a sua substância; a qualidade mudou; a natureza não foi aniquilada. Crucificaram aquele corpo, ferrando-o a pregos: tornou-se inacessível ao sofrimento. Deram-lhe a morte: tornou-se imortal. Assassinaram-no: tornou-se incorruptível. E bem podemos dizer que a carne humana de Cristo não é, com efeito, a que tínhamos conhecido; porque nela deixou de haver vestígio de sofrimento ou de fraqueza. Continua a mesma na sua essência, mas já não é a mesma quanto à glória. Porque nos surpreendemos então que S. Paulo assim se exprima a propósito do corpo de Jesus Cristo, quando diz, ao falar de todos os cristãos que vivem segundo o espírito: «de agora em diante, não conhecemos ninguém à maneira humana». Ele quer desta maneira dizer que a nossa ressurreição começou em Jesus Cristo. N' Ele, que morreu por nós, toda a esperança tomou corpo. Deixou de haver em nós dúvida, hesitação, espera desiludida: as promessas começaram a cumprir-se e conseguimos já ver, com os olhos da fé, a graça com que amanhã seremos cumulados. A nossa natureza elevou-se; então, na alegria, já possuímos o objecto da nossa fé [...].Que o povo de Deus tome consciência de que se «está em Cristo, é uma nova criação» (2 Co 5,17). Que compreenda bem Quem o escolheu, e a Quem ele próprio escolheu. Que o ser renovado não volte à instabilidade do seu antigo estado. Que «depois de deitar a mão ao arado» não pare de trabalhar, que cuide do grão que semeou, que não se volte para trás, para o que abandonou [...] È esta a via da salvação; é esta a maneira de imitar a ressurreição que começou com Cristo.

São Leão Magno ( ? - c.461), papa e doutor da Igreja
Sermão 71, para a ressurreição do Senhor; PL 54, 388

domingo, 25 de janeiro de 2009

ONDE ESTA O TEU TESOURO...

«Onde está o teu tesouro, aí está o teu coração»

Onde está o coração amante? Nas coisas que ele ama ― por conseguinte, onde está o nosso amor, está cativo o nosso coração. Não pode sair, não pode elevar-se mais alto, não pode ir para a esquerda nem para a direita; está parado. Onde está o tesouro do avarento, aí está o seu coração; e onde está o nosso coração, aí está o nosso tesouro.
E um nada, uma imaginação, uma palavra seca que nos disseram, uma falta de acolhimento caloroso, uma pequena recusa, apenas o pensamento de que não nos têm em grande conta ― tudo isso nos fere e nos indispõe de um modo que não podemos vencer! O amor próprio nos liga a essas feridas imaginárias, que não saberíamos tirar, estão sempre presentes, e porquê? É porque se está cativo dessa paixão. Que é que nos prende? Estamos nós na «liberdade dos filhos de Deus»? (Rom 8,21) Ou estamos ligados aos bens, aos caprichos, ás honras?
Ó Salvador, abriste-nos a porta da liberdade, ensinaste-nos a encontrá-la. Faz-nos conhecer a importância deste privilégio, faz-nos recorrer a vós para aí chegarmos. Ilumina-nos, meu Salvador, para ver a que é que estamos apegados, e põe-nos, se for do teu agrado, na liberdade dos filhos de Deus.

S. Vicente de Paulo (1581-1660), fundador de comunidades religiosas:
Conferência sobre a indiferença, 16 de Maio 1659

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

BAPTISMO DO SENHOR

Outrora, no primeiro poema do Servo humilde, Isaías exclamara, comunicando-nos a mensagem de Deus: “Eis o meu servo, que Eu amparo, o meu eleito, que Eu preferi. Fiz repousar sobre ele o meu espírito, para que leve às nações a verdadeira justiça” (Is. 42, 1).
Mais adiante, o mesmo profeta transmite ainda as palavras do Senhor, quando diz: “Formei-te e designei-te como aliança de um povo e luz das nações; para abrires os olhos aos cegos, para tirares do cárcere os prisioneiros, e da prisão, os que vivem nas trevas” (Is. 42, 6-7).
Para que isso aconteça, o mesmo profeta explica que o Servo “anunciará com toda a fidelidade a verdadeira justiça. Não desanimará, nem desfalecerá, até estabelecer na terra o direito, as leis que os povos das ilhas esperam dele” (Is. 42, 2-4).
Estas afirmações que outrora o profeta Isaías anunciou vão ter a sua concretização aquando do baptismo de Jesus.
“Sabeis o que ocorreu em toda a Judeia ― aqui é Pedro que explica ―, a começar pela Galileia, depois do baptismo que João pregou: como Deus ungiu com o Espírito Santo e com o poder a Jesus de Nazaré, o qual andou de lugar em lugar, fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com Ele” (Ac. 10, 37-38).
Com efeito, Jesus viera da Galileia até ao Jordão para aí encontrar aquele que “preparava os caminhos do Senhor”, João Baptista. Não se trata aqui de uma visita de cortesia ou mesmo familiar, mas duma acção premeditada de Jesus que vinha “ter com João, para ser baptizado por ele” (Mt. 3, 13).
Inspirado pelo Espirito Santo, João reconhece no visitante o “Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo” e por isso mesmo se opõe a baptizá-lo: “Eu é que tenho necessidade de ser baptizado por ti, e Tu vens a mim?” (Mt. 3, 14).
“Jesus, porém, respondeu-lhe: ‘Deixa por agora. Convém que cumpramos assim toda a justiça’. João, então, concordou” (Mt. 3, 15), diz-nos Mateus.
Terminado o baptismo, “Jesus saiu da água” corrente do Jordão e foi então “que se rasgaram os céus” e que se “viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e vir sobre” Jesus, ao mesmo tempo que do Céu uma voz dizia: “Este é o meu Filho muito amado, no qual pus todo o meu agrado” (Mt. 3, 16-17)
Aqui ficam bem patentes os “dois” baptismos: o baptismo “na água” e o baptismo no “Espirito Santo”, que desde os princípios do cristianismo foram sempre praticados e continuam ainda hoje a ser uma constante, porque “todo aquele que for baptizado será salvo”.

Afonso Rocha