sexta-feira, 14 de novembro de 2008

DEIXO-VOS A PAZ

«Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz»

Na provação, o homem que não quer nem deseja sinceramente se não a Deus deve refugiar-se Nele e esperar com paciência que a paz regresse. [...] Quem sabe onde e como agradará a Deus voltar a cumulá-lo dos Seus dons? Coloca-te pacientemente ao abrigo da vontade divina, que vale cem vezes mais do que os impulsos de uma virtude brilhante. [...] Porque os dons de Deus não são o próprio Deus, e só Dele devemos gozar, e não dos Seus dons. Mas a nossa natureza é de tal maneira ávida, de tal maneira voltada para si mesma, que se insinua por toda a parte, apoderando-se daquilo que não lhe pertence, e manchando assim os dons de Deus, impedindo a nobre acção de Deus. [...]
Mergulha, pois, em Cristo, na Sua pobreza e na Sua pureza, na Sua obediência, no Seu amor, e em todas as Suas virtudes. Foi Nele que foram concedidos ao homem os dons do Espírito Santo, a fé, a esperança e a caridade, a verdade, a alegria e a paz interiores, no Espírito Santo. É também Nele que se encontra o abandono e a suave paciência, e tudo se recebe de Deus com um coração semelhante.
Tudo quanto Deus Se permite decretar, seja prosperidade ou adversidade, alegria ou dor, tudo isso deve concorrer para o bem do homem (Rom 8, 28). A menor das coisas que acontecem ao homem é eternamente vista por Deus, pré-existe Nele, acontece como Ele a quis, e não de outra forma. Estejamos pois em paz! Essa paz em todas as coisas que só se aprende no verdadeiro desprendimento e na vida interior. [...] Tal é a herança do homem nobre que está solidamente fixado no repouso da alma em Deus, no desejo de Deus, que ilumina todas as coisas; tudo isso é purificado passando por Cristo[1].

Jean Tauler (c. 1300-1361),
dominicano de Estrasburgo; Sermão 23, para o domingo depois da Ascensão.
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[1] Evangelho segundo S. João 14,27-31.
«Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde. Ouvistes o que Eu vos disse: 'Eu vou, mas voltarei a vós.' Se me tivésseis amor, havíeis de alegrar-vos por Eu ir para o Pai, pois o Pai é mais do que Eu. Digo-vo-lo agora, antes que aconteça, para crerdes quando isso acontecer. Já não falarei muito convosco, pois está a chegar o dominador deste mundo; ele nada pode contra mim, mas o mundo tem de saber que Eu amo o Pai e actuo como o Pai me mandou. Levantai-vos, vamo-nos daqui!»

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

MAJESTADE SUPREMA

«A tua majestade suprema é proclamada
pela boca das crianças, dos pequeninos»
(Sl 8,3)

A cruz conquistou os espíritos no meio de pregadores ignorantes, e isso no mundo inteiro. Não se tratava de questões banais, mas de Deus e da verdadeira fé, da vida segundo o Evangelho, e do julgamento futuro. A cruz transformou, pois, em filósofos, pessoas simples e iletradas. Eis como: «a loucura de Deus é mais sábia que o homem, e a sua fraqueza, mais forte» (1 Co 1,25).
Como é que é mais forte? Porque se propaga pelo mundo inteiro, porque submeteu os homens ao seu poder e resiste aos inumeráveis adversários que gostariam de ver desaparecer o nome do Crucificado. Pelo contrário, esse nome desabrochou e propagou-se; os seus inimigos pereceram, desapareceram; os vivos que combatiam um morto foram reduzidos à impotência... Com efeito, o que publicanos e pecadores conseguiram vencer pela graça de Deus, os filósofos, os oradores, os reis, em breve, a terra inteira, em toda a sua extensão, não foi sequer capaz de o imaginar... Era pensando nisso que o apóstolo Paulo dizia: «A fraqueza de Deus é mais forte que todos os homens». De outro modo, como teriam podido esses doze pecadores pobres e ignorantes imaginar uma tal empresa?

S. João Crisóstomo (c. 345-407), bispo de Antioquia depois de Constantinopla,
doutor da Igreja; 4ª homilia sobre a 1ª epístola aos Coríntios.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

APRENDEI DE MIM...

«Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração
e encontrareis descanso para o vosso espírito»

O Senhor ama os homens, mas fá-los passar por provações. Assim, eles poderão reconhecer a sua própria impotência e humilhar-se e, graças à humildade, receber o Santo Espírito. E com o Santo Espírito tudo está bem, tudo se enche de alegria [...] Aquele que vive em humildade contenta-se com tudo o que lhe acontece, porque o Senhor é a sua riqueza e alegria; todos os homens se espantarão com a beleza da sua alma.
Dizes: «A minha vida está cheia de sofrimento». Mas responder-te-ei, ou melhor, é o próprio Senhor a dizer-to: «Sê humilde, e verás que as provações se transformarão em repouso», de tal maneira que tu próprio te espantarás e dirás: «Por que estava eu, dantes, tão atormentado e aflito?» Agora és feliz porque te tornaste humilde e porque a graça divina veio até ti; agora, ainda que estejas só na pobreza, a alegria não te deixará, porque tens na alma aquela paz acerca da qual disse o Senhor: «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz» (Jo 14,27). É assim que o Senhor dá a paz às almas humildes.

São Siluane (1886-1938), monge ortodoxo Escritos

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

FAÇO NOVAS TODAS AS COISAS

«Eis que faço novas todas as coisas»

Quando chegou para a natureza humana o momento de se encontrar com a natureza divina e de ficar unida a ela tão intimamente que as duas não formassem senão uma só pessoa, cada uma delas devia necessariamente ter-se manifestado já na sua integridade. No que toca a Deus, Ele tinha-se revelado da maneira que convinha a Deus; a Virgem é aquela que dá à luz a natureza humana... Até parece que, se Deus se misturou com a natureza humana não na sua origem mas no fim dos tempos (Ga 4,4), foi porque, antes desse momento, esta natureza ainda não tinha plenamente nascido, ao passo que agora, em Maria, ela aparece pela primeira vez na sua integridade...
É tudo isto que viemos celebrar hoje, com todo o seu brilho. O dia do nascimento da Virgem é também o do nascimento da humanidade inteira, porque esse dia viu nascer o primeiro ser plenamente humano. Agora, "a terra" verdadeiramente "deu o seu fruto" (Sl 66,7), esta terra que, desde sempre, entre silvas e espinhos, apenas tinha produzido a corrupção do pecado (Gn 3,18). Agora o céu sabe que não foi criado em vão, uma vez que a humanidade, para a qual foi construido, vê a luz do dia...
É por isso que toda a criação faz subir até à Virgem um louvor sem fim, que todas as línguas cantam a sua glória em uníssono, que todos os homens e todos os coros dos anjos não cessam de compor hinos à Mãe de Deus. Também nós a cantamos e lhe oferecemos todos juntos o nosso louvor... Só a ti, Virgem digna de todo o louvor, assim com ao teu amor pelos homens, cabe apreciar o benefício da graça obtida não por nós mas pela tua generosidade. Escolhida como dom oferecido a Deus entre toda a nossa raça, revestiste de beleza o resto da humanidade. Santifica, pois, o nosso coração que concebeu as palavras que te dirigimos e impede o terreno da nossa alma de produzir qualquer mal, pela graça e bondade de teu Filho único, Senhor nosso Deus e nosso Salvador, Jesus Cristo.

São Nicolau Cabasilas (c. 1320-1363), teólogo leigo grego
Homilia para a Natividade da Mãe de Deus, 16, 18

domingo, 12 de outubro de 2008

VESTIR O TRAJE NUPCIAL

Os que devem participar aoi festim...

Que traje nupcial é esse de que nos fala o Evangelho? Tal traje é certamente algo que só os bons possuem, os que devem participar no festim [...]. O traje serão os sacramentos? O baptismo? Sem o baptismo, ninguém chega até Deus, mas alguns recebem o baptismo e não chegam a Deus [...] Será o altar, ou o que se recebe no altar? Mas ao receber o Corpo do Senhor alguns comem e bebem a sua própria condenação (1Co 11,29). Então será o quê, esse traje? O jejum? Também os maus jejuam. Será frequentar a igreja? Também os maus vão à igreja como os outros [...].
O que é então esse traje nupcial? Diz-nos o apóstolo Paulo: «O objectivo desta recomendação é o amor que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera» (1Tm 1,5). Eis o traje nupcial. Não se trata de um amor qualquer, porque por vezes vemos homens desonestos amar outros [...], mas não vemos neles aquela caridade autêntica «que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera»; ora, esta caridade é precisamente o fato de núpcias.
«Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, diz o apóstolo Paulo, se não tiver amor, sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine [...]. Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas, se não tiver amor, nada sou.» (1Co 13,1-2) [...] Poderia ter tudo isto, disse ele; sem Cristo, «nada sou» [...]. Como são inúteis os bens, se um só deles nos faltar! Se não tiver amor, bem posso ter distribuir todos os meus bens, confessar o nome de Cristo e entregar o meu corpo para ser queimado (1Co 13,3), que de nada me aproveita, pois posso agir assim por amor da glória [...]. «Se não tiver amor, de nada me aproveita.» Eis o traje nupcial. Examinai-vos a vós próprios: se o tiverdes, aproximai-vos confiantes do banquete do Senhor.


Santo Agostinho (345-430),
bispo de Hipona e doutor da Igreja - Sermão 90; PL 38, 559ss

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

EU SOU O CAMINHO

«Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida»

Cristo é ao mesmo tempo o caminho e o fim: o caminho, pela sua humanidade, o fim, pela sua divindade. Assim, enquanto homem que é, diz: «Eu sou o Caminho» e, enquanto Deus que é, a isto acrescenta: «A Verdade e a Vida». Estas duas últimas palavras designam bem o fim desse caminho, pois o fim desse caminho é o fim do desejo humano [...]. Cristo é o caminho para se atingir o conhecimento da verdade, sendo Ele próprio a verdade: «Ensina-me, Senhor, o teu caminho, e caminharei na verdade» (Sl 85,11). E Cristo é o caminho para se chegar à vida, sendo Ele próprio a vida: «Hás-de ensinar-me o caminho da vida» (Sl 15,11) [...].
Se procuras pois um caminho a seguir, segue a Cristo, pois Ele próprio é o caminho: «Este é o caminho a seguir» (Is 30,21). E comenta Santo Agostinho: «Caminha seguindo o homem e chegarás a Deus». Porque mais vale coxear durante o caminho do que caminhar a passos largos mas fora do caminho. Aquele que no caminho coxeia, mesmo se não avançar, aproxima-se do seu fim: mas aquele que caminha fora do caminho, quanto mais denodadamente correr, mais do seu fim se afastará.
Se procuras para onde ir, sê unido a Cristo, porque Ele é em pessoa a verdade a que desejamos chegar: «Sim, é a verdade que a minha boca proclama» (Pr 8,7). Se procuras onde ficar, fica junto a Cristo porque Ele é, em pessoa, a vida: «Aquele que me encontrar, encontrará a vida» (Pr 8,35).

São Tomás de Aquino (1225-1274), teólogo dominicano, doutor da Igreja;
Comentário ao evangelho de S. João, 14,2

sábado, 4 de outubro de 2008

BEM-AVENTURADOS

Bem-aventurados aqueles...

O Evangelista S. Mateus propõe-nos hoje uma das mais belas páginas dos Evangelhos: o “Sermão da montanha”, depois de nos ter dito que Jesus, « começou a percorrer toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, proclamando o Evangelho do Reino e curando entre o povo todas as doenças e enfermidades. »
Provavelmente que estas curas ― o espectacular causa sempre admiração e sensação! ― e o ensinamento proposto por Jesus, foram depressa anunciados ao longe e ao perto e por isso mesmo, « seguiram-no grandes multidões, vindas da Galiléia, da Decápole, de Jerusalém, da Judeia e de além do Jordão », multidões ávidas não só de sensacional, mas também de ensinamentos claros, objectivos, e dados com amor e mansidão, visto que, como diz o salmista, « o Senhor ilumina os olhos dos cegos, o Senhor levanta os abatidos, o Senhor ama os justos; o Senhor protege os peregrinos, ampara o órfão e a viúva e entrava o caminho aos pecadores. »
Foi numa dessas ocasiões de grande afluência, que « ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-se. Rodearam-no os discípulos e Ele começou a ensiná-los, dizendo », não só para os discípulos que o rodeavam, mas também e sobretudo para aquelas “multidões” que o seguiam :
« Bem-aventurados... »
Mas bem-aventurados quem e porquê?
« Os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus;
os que choram, porque serão consolados;
os humildes, porque possuirão a terra;
os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados;
os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia;
os puros de coração, porque verão a Deus;
os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus;
os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino dos Céus »

E ainda mais, mais forte...
« Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. »
E para culminar estas bem-aventuranças, Jesus promete e afirma com força aos que o escutam:
« Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa ».
Estas bem-aventuranças são na verdade um autêntico hino ao amor de Deus, à sua misericórdia para connosco. Na verdade são bem-aventurados todos aqueles que colocam as suas vidas e todo o seu ser nas Mãos de Deus; que eles sejam “pobres em espírito”, que eles “chorem” por causa das vicissitudes da vida, que sejam “humildes”, que tenham “fome ou sede de justiça”, os que são “misericordiosos”, os que são “puros de coração”, “os que promovem a paz”, os que sofrem perseguição” e de maneira particular aqueles que por causa de Jesus, são insultados, perseguidos, maltratados, caluniados e, muitas vezes martirizados... E se assim acontece, é porque todos eles amaram, amaram ao ponto de tudo aceitarem por amor de Cristo.
Para melhor o compreendermos, bastará recordar os nomes de tantos santos, muitos dos nossos tempos, que a Igreja elevou às honras dos altares: Santa Teresa de Ávila, S. João da Cruz, S. Francisco Xavier, S. João de Brito, Santo António de Lisboa e, mais perto de nós, Francisco e Jacinta de Fátima, Rita Amada de Jesus e Alexandrina de Balasar. Todos eles sofreram com amor perseguições, calúnias, insultos e o martírio, para dois dos acima citados.
Mas todos eles tinham esta certeza da promessa divina:
« Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa ».
Bem-aventurados todos aqueles que praticam os dois primeiros Mandamentos de Deus: “Amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a nós mesmos”.
Não esqueçamos nunca o que dizia a bem-aventurada Madre Teresa de Calcutá: “Nós seremos julgados pelo amor que demos”.
Assim como não devemos esquecer o que S. Paulo afirma na epístola de hoje:
« Mas Deus escolheu o que é louco aos olhos do mundo para confundir os sábios ; escolheu o que é vil e desprezível, o que nada vale aos olhos do mundo, para reduzir a nada aquilo que vale, a fim de que nenhuma criatura se possa gloriar diante de Deus. »

Afonso Rocha
Comentário para o 4º Domingo do Tempo Comum, ano A

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

PRESTAI ATENÇÃO

«Prestai atenção ao modo como escutais»

Escuta em silêncio. Porque o teu coração transborda com um milhão de coisas, tu não podes escutar nele a voz de Deus. Mas assim que te pões à escuta da voz de Deus no teu coração pacificado, ele enche-se de Deus. Isso requer muitos sacrifícios. Se pensamos que queremos rezar, temos de nos preparar para isso. Sem desfalecimento. Não são senão as primeiras etapas em direcção à oração, mas se não as concluímos com determinação, nunca alcançaremos a última etapa, a presença de Deus.
É por isso que a aprendizagem deve ser feita desde o início: colocar-se à escuta da voz de Deus no seu coração; e, no silêncio do coração, Deus põe-se a falar. Depois, da plenitude do coração sobe o que a boca deve dizer. Aí opera-se a fusão. No silêncio do coração, Deus fala e tu só tens que escutar. Depois, uma vez que o teu coração entra em plenitude, porque ele se encontra repleto de Deus, repleto de amor, repleto de compaixão, repleto de fé, compete à tua boca pronunciar-se.
Lembra-te, antes de falares, que é necessário escutar e só então, das profundezas de um coração aberto, podes falar e Deus entende-te.

Bem aventurada Teresa de Calcutá (1910-1997),
fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade
No Greater Love (trad. Não há amor maior)

sábado, 27 de setembro de 2008

PARA VÓS, QUEM SOU EU ?

"E vós, que dizeis? Para vós, quem sou eu?"

Cristo! Sinto a necessidade de o anunciar, não posso calá-lo: "Ai de mim, se não anunciar o Evangelho!" (1Co 9,16) Sou enviado por ele para isso mesmo; sou apóstolo, sou testemunha. Quanto mais longe está o objectivo e mais difícil é a missão, mais premente é o amor que me impele (2Co 5,14). Devo proclamar o seu nome: Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt 16,16). É ele que nos revela o Deus invisível, o primogénito de toda a criatura, o fundamento de todas as coisas (Col 1,15s). Ele é o Mestre da humanidade e o Redentor: nasceu, morreu e ressuscitou por nós; é o centro da história e do mundo. É quem nos conhece e nos ama; é o companheiro e o amigo da nossa vida. É o homem da dor e da esperança; é o que deve vir e que será um dia nosso juiz e também, assim o esperamos, a plenitude eterna da nossa existência, a nossa felicidade.
Nunca mais acabaria de falar dele: ele é a luz, é a verdade; muito mais, é "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6). Ele é o Pão, a Fonte de água viva que responde à nossa fome e à nossa sede (Jo 6,35; 7,38); ele é o Pastor, o nosso guia, o nosso exemplo, o nosso reconforto, o nosso irmão. Como nós, e mais do que nós, foi pequeno, pobre, humilhado, trabalhador, infeliz e paciente. Para nós, falou, realizou milagres, fundou um Reino novo onde os pobres são bem-aventurados, onde a paz é o princípio da vida em comum, onde os que têm o coração puro e os que choram são exaltados e consolados, onde os que aspiram à justiça são atendidos, onde os pecadores podem ser perdoados, onde todos são irmãos.
Jesus Cristo: vocês já ouviram falar dele e até, para a maioria, vocês pertencem-lhe, vocês são cristãos. Pois bem! A vocês, cristãos, eu repito o seu nome, a todos anuncio: Jesus Cristo é "o princípio e o fim, o alfa e o ómega" (Ap 21,6). Ele é o rei do mundo novo; é o segredo da história, a chave do nosso destino; ele é o Mediador, a ponte entre a terra e o céu...; o Filho do homem, o Filho de Deus..., o Filho de Maria... Jesus Cristo! Lembrem-se: é o anúncio que fazemos para a eternidade, é a voz que fazemos ressoar por toda a terra (Rm 10,18) e para os séculos que hão-de vir.

Paulo VI, papa de 1963 a 1978 Homilia em Manila, 29/11/70 (trad. DC 1576, p.1115)

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A FORÇA DE DEUS

“Foi um inimigo que fez isto”

Escrevo-vos, irmãos bem amados, para que saibais que, desde o dia em que Adão foi criado até ao fim do mundo, o Maligno fará guerra constante aos santos (Ap 13,7)... Contudo, são poucos os que se dão conta de que o saqueador das almas coabita com eles nos seus corpos, muito perto das suas almas. Vivem na tribulação e não há ninguém sobre a terra que os possa reconfortar. Por isso, olham para o céu e aí colocam a sua esperança, contando receber alguma coisa dentro de si próprios. Desta forma, e graças à armadura do Espírito (Ef 6,13), vencerão. Com efeito, é do céu que recebem uma força, que permanece escondida aos olhos da carne. Enquanto procurarem Deus com todo o seu coração, a força de Deus vem secretamente em seu auxílio a todo o momento... É precisamente porque tocam com o dedo na sua fraqueza, porque são incapazes de vencer, que eles solicitam ardentemente a armadura de Deus e, assim revestidos com o equipamento do Espírito para o combate (Ef 6,13), tornam-se vitoriosos...
Sabei, pois, irmão bem amados, que em todos os que prepararam a alma para se tornarem numa terra boa para a semente celeste, o inimigo apressa-se a semear o seu joio... Sabei também que aqueles que não procuram o Senhor com todo o seu coração não são tentados por Satanás de forma tão evidente; é mais às escondidas do que por manhas que ele tenta... afastá-los para longe de Deus.
Mas agora, irmãos, tende coragem e não receeis. Não vos deixeis assustar com imaginações suscitadas pelo inimigo. Na oração, não vos entregueis a uma agitação confusa, multiplicando gritos sem nexo, mas acolhei a graça do Senhor na contrição e no arrependimento... Tende coragem, reconfortai-vos, resisti, preocupai-vos com as vossas almas, perseverai zelosamente na oração... Porque todos os que procuram Deus com verdade receberão uma força divina na sua alma e, recebendo essa unção celeste, todos sentirão em si o gosto e a doçura do mundo que há-de vir. Que a paz do Senhor, aquela que esteve com todos os santos padres e os guardou de todas as tentações, permaneça também convosco.

S. Macário (? - 405), monge no Egipto Homilias espirituais, n.º 51

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

MORRER POR CRISTO

Morrer por Cristo constitui uma honra e uma glória:
São Pedro

O que mais atrai sobre nós a benevolência do Alto é a nossa solicitude para com o próximo. Assim, é justamente esta a disposição que Cristo exige de Pedro: Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes? (Jo 21, 15). Ele respondeu: Sim, Senhor, tu bem sabes que eu te amo (Jo 21, 15). E Jesus lhe diz: Apascenta as minhas ovelhas (Jo 21, 15).
Por que, deixando os outros apóstolos de lado, Jesus se dirige a Pedro, a respeito deles? É que Pedro era o primeiro entre os apóstolos, o que falava em nome deles, o chefe do seu grupo, tanto que o próprio Paulo vem consultá-lo um dia, e não aos outros. Para demonstrar a Pedro que podia confiar plenamente em que sua negação fora anulada, Jesus lhe dá agora a primazia entre os seus irmãos. Não menciona que o negou, nem o envergonha com o seu passado. “Se tu me amas, diz ele, permanece à frente de teus irmãos; e dá provas, agora, daquele amor apaixonado que sempre demonstraste por mim, com tanta alegria! A vida, que dizias estar pronto a dar em meu favor, eu quero que a dês pelas minhas ovelhas”.
Interrogado uma primeira vez e depois uma segunda, Pedro apela para o testemunho daquele que conhece o segredo dos corações. Interrogado uma terceira vez, ele se perturba, e o temor o domina. Lembra-se de que outrora fizera afirmações solenes, que os acontecimentos haviam desmentido. E é por isso que procura, agora, apoiar-se em Jesus: “Tu conheces tudo, diz ele, tanto o presente quanto o futuro”. Vede como se tornou melhor e mais humilde, como perdeu sua arrogância e seu espírito de contradição! Perturbou-se ao pensamento de que podia ter a impressão de amar, sem amar realmente. “Tanto estava seguro de mim mesmo no passado, pensa ele, como agora me sinto confuso”. Jesus o interroga três vezes, e três vezes lhe dá a mesma ordem: Apascenta as minhas ovelhas. Demonstra assim o apreço que tem pelo cuidado de suas ovelhas, pois faz, de tal cuidado, a maior prova de amor para com ele.
Depois de ter falado a Pedro deste amor, Jesus prediz o martírio que lhe está destinado. Manifesta desse modo toda a confiança que deposita nele. Para nos dar um exemplo de amor e mostrar a melhor forma de amar, diz ele: Quando eras jovem, tu mesmo amarravas teu cinto e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, outros te cingirão e te levarão para onde não queres ir (Jo 21, 18). Era, aliás, o que Pedro tinha querido e desejado outrora; por isso é que Jesus lhe fala assim. Pedro dissera, com efeito: Eu darei a minha vida por ti! (Jo 13, 37). E também: Ainda que eu tenha de morrer contigo, não te negarei! (Mt 26, 35; Mc 14, 31). Jesus acede ao seu desejo. Fala-lhe desse modo não para amedrontá-lo, mas para reanimar seu ardor. Conhece seu amor e sua impetuosidade; pode anunciar-lhe o género de morte que lhe reserva no futuro. Pedro sempre desejara enfrentar perigos por Cristo. “Tem confiança, diz Jesus, teus desejos serão satisfeitos; o que não suportaste em tua mocidade, suportarás na velhice”. E, para chamar a atenção do leitor, o evangelista acrescenta: Jesus disse isso para dar a entender com que morte Pedro iria glorificar a Deus (Jo 21, 19). E esta palavra nos ensina que morrer por Cristo constitui uma honra e uma glória.

São João Crisóstomo, bispo: Homilias sobre o Evangelho de São João;
Homilia 88 (Patrologia Grega, 59, 477-480)

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

SÃO JOÃO E MARIA

«E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua Mãe»


Quando Jesus se pôs a percorrer as cidades e as aldeias para anunciar a Boa Nova (Mt 9,35), acompanhava-o Maria, a seus passos presa de maneira inseparável, suspensa de seus lábios sempre que Ele abria a boca para ensinar. A tal ponto assim era que nem a tempestade da perseguição nem o horror do suplício a fizeram abandonar a companhia do Filho, os ensinamentos do seu Mestre. «Aos pés da cruz de Jesus estava Maria, sua mãe». Ela é mãe, verdadeiramente mãe, a que nem nos terrores da morte abandonava o Filho. Como poderia ela ter sido assustada pela morte, esta cujo «amor era forte como a morte» (Ct 8,6), e mais forte até que a própria morte. Sim, de pé ela se mantinha aos pés da cruz de Jesus e a dor desta cruz crucificava-a em seu próprio coração, também; todas as chagas que via no corpo ferido de seu Filho eram gládios que lhe trespassavam a alma (Lc 2,35). É pois com toda a justiça que ali mesmo é proclamada Mãe, e lhe seja designado um protector bem escolhido que a tome a seu cuidado, porque foi de facto ali que se manifestaram o amor perfeito da mãe para com o Filho e a verdadeira humanidade que o Filho recebera da mãe [...].
Tendo-a Jesus amado, levou o seu amor «até ao extremo» (Jo 13,1). Não só os seus últimos momentos de vida foram para ela, como também as suas últimas palavras: acabando por assim dizer de ditar o seu testamento, Jesus confiou a mãe aos cuidados do seu mais querido herdeiro [...]. Pedro recebeu a Igreja; e João, recebeu Maria. Esta parte da herança coube a João como um sinal do amor privilegiado de que era objecto, mas também devido à sua castidade [...] Porque convinha que à mãe do Senhor só prestasse serviços o discípulo bem amado de seu Filho, e mais ninguém [...] E por tal disposição providencial, poderia o futuro evangelista de tudo se ocupar com familiaridade juntamente com a que tudo sabia, aquela que, desde sempre, observava tudo o que a seu Filho dizia respeito e «conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (Lc 2,19).
Beato Guerric d'Igny (c.1080-1157),
abade cisterciense 4º sermão para a Assunção