terça-feira, 10 de março de 2020

JESUS E A SAMARITANA


“Se conhecesses o dom de Deus”

Na primeira leitura de hoje encontramos uma queixa que é comum a todos aqueles que não sabem esperar a hora de Deus e se queixam, como os judeus, porque pensam que o Senhor os esqueceu:
«Porque nos tiraste do Egipto? Para nos deixares morrer à sede, a nós, aos nossos filhos e aos nossos rebanhos?».
Dizer que temos a cabeça dura é o mínimo que se possa dizer de cada um de nós, sobretudo daqueles que se impacientam facilmente, o que leva os nossos verdadeiros pastores a perguntarem ao Senhor nosso Deus, como o fez Moisés:
«Que hei de fazer a este povo? Pouco falta para me apedrejarem».
E nós, pobres pecadores seríamos capazes disso e talvez de muito mais, porque a nossa sede rapidamente se transforma em cegueira furiosa, capaz das maiores barbaridades, dos maiores excessos.
E mesmo quando Deus mata a nossa sede, ficamos furiosos, porque Ele tardou em ouvir-nos, como se nós mesmos fôssemos os mestres de Deus…
Sejamos humildes e reconheçamos, não somente a nossa miséria, mas também o nosso nada e deixemos ao Senhor o cuidado de agir por nós em seu tempo.
Como no-lo recomenda o salmista «prostremo-nos em terra, adoremos o Senhor que nos criou. Pois Ele é o nosso Deus, e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.»
No Evangelho de hoje (Jo.4,5-42), São João conta-nos um encontro bem particular entre Jesus e uma samaritana.
O evangelista começa por descrever o palco onde a cena se vai realizar:
«Chegou Jesus a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, junto da propriedade que Jacob tinha dado a seu filho José, onde estava o poço de Jacob. Jesus, cansado da caminhada, sentou-Se à beira do poço. Era por volta do meio-dia.»
Se Ele se sentou à beira do poço foi porque tinha sede, sobretudo àquela hora do dia. O poço, como todos os poços devia ter um balde e uma corda para tirar água, mas Jesus sabia o que ia acontecer e esperou que alguém viesse.
«Veio uma mulher da Samaria para tirar água. Disse-lhe Jesus: “Dá-Me de beber”».
Jesus estava só, porque «os discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos.»
Entre samaritanos e judeus as relações eram difíceis e por isso mesmo aquele encontro que parecia improvável nos interpela, como interpelou a samaritana.
«Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber, sendo eu samaritana?».
Jesus não vai responder a esta pergunta, mas começar a tocar o coração daquela mulher cuja vida nada tinha de exemplar:
«Disse-lhe Jesus: “Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: ‘Dá-Me de beber’, tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva”.»
Estranha maneira de pedir de beber! A samaritana, talvez um pouco trocista, ousa perguntar:
«Senhor, Tu nem sequer tens um balde, e o poço é fundo: donde Te vem a água viva? Serás Tu maior do que o nosso pai Jacob, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu, com os seus filhos e os seus rebanhos?»
De novo, esquivando a pergunta da mulher, Jesus responde com doçura:
«Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede. Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma nascente que jorra para a vida eterna.»
Esta afirmação de Jesus despertou na mulher, não um princípio de conversão mais um interesse temporal:
«Senhor, – suplicou a mulher – dá-me dessa água, para que eu não sinta mais sede e não tenha de vir aqui buscá-la.»
Como anteriormente, Jesus não responde a este desejo natural da mulher, mas diz-lhe: «Vai chamar o teu marido e volta aqui».
Este pedido certamente que envergonhou a samaritana que logo procura justificar-se, dizendo a verdade: «Não tenho marido.»
Desta vez Jesus não esquiva, mas ensina, provoca:
«Disseste bem que não tens marido, pois tiveste cinco, e aquele que tens agora não é teu marido. Neste ponto falaste verdade».
A mulher é surpreendida pela afirmação de Jesus e compreende que se encontra face a um homem que sabe de tudo e responde, provavelmente com uma certa timidez:
«Senhor, vejo que és profeta. Os nossos antepassados adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar».
A mulher, talvez já um pouco “baralhada” acabou por dizer, demonstrando que conhecia um pouco as Escrituras:
«Eu sei que há de vir o Messias, isto é, Aquele que chamam Cristo. Quando vier, há de anunciar-nos todas as coisas».
E aquilo que ela não esperava vai acontecer, porque Jesus lhe declara:
«Sou Eu, que estou a falar contigo».
Nesse mesmo momento chegaram os discípulos e ficaram admirados que Jesus falasse com uma samaritana, mas não fizeram perguntas.
Entretanto aquela mulher, como arrebatada por uma alegria súbita, deixou a bilha na borda do poço e correu para a cidade, chamar os habitantes. Para os convencer rapidamente, disse-lhes:
«Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não será Ele o Messias?».
De facto muitos vieram. Jesus falou para eles com doçura e pertinência, o que os levou a pedir-lhe que ficasse com eles. Jesus aceitou e ficou três dias naquela cidade, continuando o seu apostolado: o anúncio da Boa nova do Reino.
Peçamos nós também que Jesus fique connosco e nos ensine a amá-lo e a segui-lo passo a passo, mesmo no nosso caminho do calvário quotidiano, porque não há amor sem dor.
Ouçamos também a sua voz que aos nossos ouvidos murmura: «Se conhecêsseis o dom de Deus!» Amém.
(Afonso Rocha: Comentário para o terceiro domingo da quaresma).

sábado, 7 de março de 2020

TRANSFIGURAÇÃO DE JESUS


Nos textos que hoje lemos encontramos grande alimento para as nossas almas e matéria para uma meditação profunda.

Na primeira leitura, Deus dirigindo-se a Abrão — assim se chamava ele antes da missão que Deus lhe vai confiar — diz-lhe, de maneira que parece à primeira vista autoritária, mas não o é:
«Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que Eu te indicar.»
E aquela ordem que parecia autoritária transforma-se rapidamente em bênção, não só para Abrão, mas para «todas as nações da terra», porque o Senhor o afirma: «engrandecerei o teu nome e serás uma bênção».
Abrão não fez perguntas a Deus porque a sua fé era grande e, como está escrito, ele «partiu, como o Senhor lhe tinha ordenado.»
Aqui podemos questionar-nos: Que faria eu se recebesse a mesma ordem? Obedeceria imediatamente ou apresentaria reservas a Deus?
Não esqueçamos nunca o conselho que nos dá o salmista:
«Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem, para os que esperam na sua bondade.» (Sl. 32)
E ainda: Deus nunca nos pedirá algo que não possamos fazer, porque Ele conhece, melhor do que nós mesmos, os nossos limites.
Conheçamos e reconheçamos humildemente a nossa fraqueza, os nossos limites e com humildade, como tantas Santas e Santos de Deus, digamos nós também com o salmista:
«Venha sobre nós a vossa bondade, porque em Vós esperamos, Senhor.» (Sl. 32)
No Evangelho de hoje São Mateus (17, 1-9) fala-nos da transfiguração de Jesus, que teve como testemunhas oculares Pedro, Tiago e João, que Jesus «levou, em particular, a um alto monte e transfigurou-Se diante deles».
E perante a estupefacção deles, «o seu rosto ficou resplandecente como o sol e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz.»
Assim olhos humanos puderam contemplar o Filho de Deus na sua divindade, na pureza do seu espírito.
Mas Jesus não estava sozinho: apareceram a seu lado «Moisés e Elias a falar com Ele.»
O espanto dos discípulos, convidados para esta manifestação divina, foi cada vez mais maior e São Pedro que parecia o mais entusiasta e, segundo a sua maneira de ser expansiva falou para Jesus:
«Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».
Ele não disse quatro ou seis tendas, mas apenas “três”, para alojar as três personagens celestes enquanto eles continuariam, pode deduzir-se, em admiração diante de tão maravilho quadro. A ele pouco lhe importava de ficar ao relento ou mesmo à chuva, o que ele queria era que Jesus, Moisés e Elias continuassem aquele celeste colóquio começado entre Eles.
Mas a admiração dos três vai aumentar e com esta também o temor, quando «uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra e da nuvem uma voz dizia : “Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O”».
Tão inesperada afirmação, vinda da nuvem estranha, fez que «ao ouvirem estas palavras, eles caíssem de rosto por terra e se assustassem muito.»
Se fecharmos os olhos e fizermos silêncio em nós, podemos imaginar esta cena tão particular e nos imaginar na situação de Pedro, Tiago e João, cheios de felicidade mas também de temor, não que Deus faça medo, mas por respeito à sua divina Majestade, porque foi a voz do Pai que eles ouviram, o Criador de todas as coisas “visíveis e invisíveis”.
Os três discípulos, como diz o evangelista, “caíram de rosto por terra”, tal foi o respeito que aquela voz lhes inspirou. Nós raramente pomos os joelhos em terra para adorar a Deus, porque muitas vezes nos consideramos como deuses e os deuses não dobram o joelho, o que nos impede de ouvir a voz de Jesus que carinhosamente nos diz:
«Levantai-vos e não temais».
Eles levantaram-se, ao ouvirem aquela voz que eles conheciam tão bem e, «erguendo os olhos, eles não viram mais ninguém, senão Jesus.»
Irmãs e irmãos, devemos tomar uma decisão que nos guie nas nossas vidas: “erguer os olhos para Jesus”, implorar as suas bênçãos e graças, para que as nossas vidas sejam uma “transfiguração” contínua, uma subida ininterrupta à “montanha onde está Jesus”. Amem
Afonso Rocha

sexta-feira, 6 de março de 2020

VÓS SOIS O SAL DA TERRA

Depois do “Sermão da montanha”, Jesus dirige-se exclusivamente aos seus discípulos, certamente com um grande carinho e amor, e diz-lhes:
« Vós sois o sal da terra. »
Será talvez plausível de pensar que ao ouvirem esta frase, os discípulos que rodeavam Jesus, se tenham olhado uns aos outros, interrogativos, como quem pergunta a si mesmo: “Mas que quer Ele dizer com isto?”
Sem outra introdução, Jesus continua:
« Mas se ele perder a força, com que há-de salgar-se? Não serve para nada, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens. »
Aquela frase inicial e a outra que virá depois, são geralmente “aplicadas” aos sacerdotes, aos anunciadores da “Boa Nova do Reino”, aqueles que são chamados e com razão os “outros Cristo na terra”.
Como muitas vezes o fez, Jesus apresenta uma contrapartida ao “sal da terra”: “se ele perde a força, não serve para nada”.
Logo a seguir, Jesus diz ainda:
« Vós sois a luz do mundo. »
E como na primeira afirmação, logo vem a contrapartida:
« Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte ; nem se acende uma lâmpada para a colocar debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, onde brilha para todos os que estão em casa. »
E, ao terminar a sua curta intervenção ― como nos conta o Evangelho ― Jesus explica em poucas palavras o sentido destas duas afirmações:
« Assim deve brilhar a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus ».
Aqueles que são o “sal da terra” e “a luz do mundo”, não só devem adubar as almas com o sal das palavras divinas, mais também iluminar estas pelo esplendor do exemplo pessoal, porque, como diz o salmista, « brilha aos homens rectos, como luz nas trevas, o homem misericordioso, compassivo e justo », que se torna um exemplo a imitar.
O nosso mundo actual precisa de “luzeiros” que brilhem de mil fogos, de condimento eficaz que o lave da insipidez em que vive, mas, infelizmente, se “a messe é grande, os obreiros são poucos”; torna-se mais do que urgente “pedir ao Senhor da messe que envie obreiros para a sua messe”.
O bom Papa Emérito, Bento XVI, falando desta falta de trabalhadores, diz:
« “Rogai ao Senhor da messe para que envie trabalhadores para a sua messe!". Isto significa que: a messe existe, mas Deus quer servir-se dos homens, a fim de que ela seja levada ao celeiro. Deus necessita de homens. Necessita de pessoas que digam: Sim, eu estou disposto a tornar-me seu trabalhador na messe, estou disposto a ajudar para que esta messe, que está amadurecendo nos corações dos homens, possa realmente entrar nos celeiros da eternidade e se tornar perene comunhão divina de alegria e de amor. »[1]
Mas é necessário que desses trabalhadores de que tanto precisa a Igreja de hoje, se possa dizer como afirma o salmista:
« O seu coração é inabalável, nada teme ; reparte com largueza pelos pobres, a sua generosidade permanece para sempre e pode levantar a cabeça com altivez. »
No mesmo documento citado, o Papa Bento XVI, plenamente ciente das dificuldades do tempo em que vivemos, diz ainda:
« "Rogai ao Senhor da messe"! Isto quer dizer também: não podemos simplesmente "produzir" vocações, elas devem vir de Deus. Não podemos, como talvez noutras profissões, por meio de uma propaganda bem visada, através das chamadas estratégias adequadas, simplesmente recrutar pessoas. A chamada, partindo do coração de Deus, deve sempre encontrar o caminho rumo ao coração do homem. E no entanto, exactamente para que chegue aos corações dos homens, é necessária também a nossa colaboração. Rogar ao Senhor da messe significa certamente, antes de mais nada, rezar para isso, sacudir o coração e dizer: "Faça-o por favor! Desperte os homens! Acenda neles o entusiasmo e a alegria pelo Evangelho! Faça-os entender que este é o mais precioso de todos os tesouros e que quem o descobriu deve transmiti-lo!" »
Num documento de 8 de Dezembro de 2007, a Congregação para o Clero, faz o seguinte “balanço” e propõe a “boa” solução:
« São realmente muitas as coisas a serem feitas para o verdadeiro bem do Clero e para a fecundidade do ministério pastoral nas circunstâncias atuais, mas, exactamente por isso, mesmo com o firme propósito de enfrentar essas dificuldades e essas fadigas, cientes de que o agir sucede ao ser e que a alma de cada apostolado é a intimidade com Deus, pretende-se iniciar um movimento espiritual que, favorecendo uma consciência cada vez maior da ligação ontológica entre Eucaristia e Sacerdócio e da especial Maternidade de Maria em relação a todos os Sacerdote, dê vida a uma corrente de adoração perpétua, para a reparação das faltas e para a santificação dos clérigos, e a um novo empenho das almas femininas consagradas para que, inspirando-se à tipologia da Beata Virgem Maria, Mãe do Sumo e Eterno Sacerdote e associada, de modo singular, à sua obra de Redenção, queiram adoptar espiritualmente sacerdotes para ajudá-los com a oferta de si, a oração e a penitência. »[2]
Nesse documento importante, vão citadas diversas almas que aceitaram de maneira heróica essa “maternidade”. Entre elas distinguem-se Santa Teresinha do Menino Jesus, Doutora da Igreja, a mística belga, Berta Petit e a “nossa” Alexandrina Maria da Costa.
De uma só alma e de um só coração, oremos ao Senhor para que toque os corações “maternos” e os disponha a este apostolado santo, de maneira que em breve, apareçam muitos “filhos”, nascidos desta maternidade espiritual, filhos que sejam na verdade “sal da terra e luz do mundo”. Amem.
Afonso Rocha
Comentário para o Domingo V do Tempo Comum, ano A.



[1] Bento XVI: Encontro com os sacerdotes e diáconos em Freising, 14 de setembro de 2006.
[2] Congregação para o Clero: Adoração, reparação, maternidade espiritual para os sacerdotes. 8 de Dezembro de 2007.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

ASSUNÇÃO DA VIRGEM MARIA


Assunção ao céu da Santíssima Virgem em corpo e alma

A Assunção da Virgem em corpo e alma, após sua morte preciosíssima é, hoje, um dogma de fé cristã. Nele devemos crer incondicionalmente, sob pena de cairmos em heresia.
Nenhum católico poderá negar que a Virgem Mãe de Deus foi elevada ao céu em corpo e alma, após a morte.
O Papa Pio XII, no dia 1 de Novembro de 1950, na Basílica de São Pedro, dirigiu a cerimónia que ficou e ficará para sempre nos anais da Igreja Católica como a mais solene da era contemporânea, o Dogma da Assunção da Virgem Mãe de Deus. Vejamos a alocução de Sua Santidade firmada nessa cerimónia:

“Veneráveis irmãos e amados filhos e filhas que vos haveis congregado em nossa presença e todos vós que nos ouvis nesta Santa Roma e em todos os lugares do mundo católico.
“Emocionados pela proclamação como um dogma de fé da Assunção ao céu da Santíssima Virgem em corpo e alma, exultando de alegria que inunda os corações de todos os fiéis, agora satisfeitos em seus ardentes desejos, sentimos irresistível necessidade de elevar junto convosco o hino de graças à amada providência de Deus, que quis reservar para vós a alegria deste dia e a nós o conforto de colocar sobre a fronte da mãe de Deus e da nossa mãe um brilhante diadema que coroa suas singulares prerrogativas.
“Por um inescrutável desígnio do destino, aos homens da actual geração tão atormentados e afligidos, perdidos e alucinados, mas também sadiamente em busca de um grande Deus que foi perdido, abre-se uma parte luminosa dos céus, onde se senta, junto ao filho da justiça, a rainha-mãe, Maria.
“Implorando há longo tempo, finalmente nos chega este dia, o qual por fim, é nosso. A voz dos séculos – deveríamos dizer a voz da eternidade – é nossa. É a voz que, com a ajuda do Espírito Santo, definiu solenemente o alto privilégio da celestial Mãe. E vosso é o grito dos séculos. Como se houvessem sido sacudidos pelas batidas dos vossos corações e pelo balbuciar dos vossos lábios, as próprias pedras desta patriarcal basílica vibram e juntamente com elas os inumeráveis antigos templos levantados em todas as partes em honra de Maria, monumentos de uma só fé e pedestais terrenos do celestial trono da glória da Rainha do Universo, parecem exultar em pequenas batidas. E neste dia de alegria, desde este pedaço do céu, juntamente com a evangélica onda de satisfação que se harmoniza com a onda de exultação de toda a Igreja militante, não pode deixar de descer sobre as almas uma torrente de graças e ensinamentos, frutíferos despertadores de renovada santidade. Por esta razão, para tão altíssima criatura, levantamos, cheios de fé, os nossos olhares da terra – nesta nossa época, entre a nossa geração – e gritamos a todos: “Levantai os vossos corações”.
“As muitas intranquilas e angustiosas almas, triste legado de uma idade violenta e turbulenta, almas oprimidas, porém não resignadas, que já não crêem na bondade da vida e aceitam-na somente como se fossem obrigadas a aceitá-la, ela lhes abre as mas altas visões e as conforta para contemplar que destino e que obras ela há sublimado, ela, que foi eleita por Deus para ser Mãe do mundo, feita em carne, recebeu docilmente a palavra do Senhor.
“E vós, que estais mais particularmente próximo de nosso coração, vós pobres enfermos, vós refugiados, vós prisioneiros, vós os perseguidos, vós com os braços em trabalho e o corpo sem abrigo, vós nos sofrimentos de toda índole e de todas as nações, vós a quem a passagem pela terra só parece dar lágrimas e privações, por mais esforços que se façam ou que se deverão fazer para acudir em vossa ajuda; levantai vossos olhares para Ela que, antes de vós, percorreu os caminhos da pobreza, do exílio e da dor; para Ela, cuja alma foi atravessada pela espada ao pé da cruz e que agora contempla, como olhar firme, desde a luz eterna, este mundo sem paz, martirizado por desconfianças recíprocas, pelas divisões, pelos conflitos, pelos ódios a tal ponto que se debilitou e se perdeu o sentido do temor em Cristo. Enquanto suplicamos com todo o ardor que a Virgem Maria possa assinalar o retorno do calor, do afecto e da vida aos corações humanos, não nos devemos cansar de recordar que nada deve prevalecer sobre o fato, sobre a consciência de sermos todos filhos da mesma Mãe, laço é de união através do místico Corpo de Cristo, uma nova era e uma nova Mãe dos vivos, que quer conduzir todos os homens à verdade e à graça de seu divino Filho.”

Rui Manuel Tapadinhas Alves

quinta-feira, 24 de maio de 2012

ALEGRAI-VOS, O ESPÍRITO DE DEUS DESCE SOBRE NÓS


DOMINGO DE PENTECOSTES

No Livro dos Actos dos Apóstolos, ao capítulo 2 podemos ler:

«Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.
Achavam-se então em Jerusalém judeus piedosos de todas as nações que há debaixo do céu.
Ouvindo aquele ruído, reuniu-se muita gente e maravilhava-se de que cada um os ouvia falar na sua própria língua.» (Ac. 2, 1-6)
Pelas primeiras palavras ficamos com uma certeza: a festa de Pentecostes — que significa 50 dias — já existia no calendário judaico e comemorava o quinquagésimo dia após a aparição de Deus no Monte Sinai e a entrega da Lei divina a Moisés.
Foi esse dia que o Senhor escolheu para cumprir a promessa feita aos seus apóstolos, pouco antes da sua Ascensão: “vós sereis baptizados no Espírito Santo daqui a poucos dias” (Ac. 1, 5)
E assim aconteceu, quando “estavam todos reunidos no mesmo lugar”, ou seja no Cenáculo onde Jesus instaurara o Sacramento por excelência, a Divina Eucaristia.
Também está claro no texto que “estavam todos” ou sejam: “Pedro e João, Tiago, André, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelador, e Judas, irmão de Tiago. Todos eles perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus”. (Ac. 1, 13-14)
Não está dito que os discípulos ali estivessem também, mas temos a certeza que “Maria, Mãe de Jesus”, ali se encontrava e todos unidos “perseveravam unanimemente na oração”.
O Espírito de Deus poderia ter-se manifestado no silêncio daqueles corações que unanimemente o louvavam, mas não, manifestou-se primeiramente de maneira “ruidosa”, visto que São Lucas diz que “veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso”, o que teve como resultado, não só de encher “toda a casa onde estavam sentados”, mas também, ao mesmo tempo, ou logo após, aparecessem “uma espécie de línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles”, o que teve como consequência imediata que ficassem “cheios do Espírito Santo e começassem a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem”.
Que grandes são as maravilhas de Deus!
Mas aquele ruído que se espalhou pelo Cenáculo a quando da descida do Espírito de Deus, não ficou escondido, não foi uma dádiva destinada unicamente a alguns privilegiados: o Espírito de Deus, o Espírito Santo vai ter efeitos imediatos sobre a multidão, porque “achavam-se então em Jerusalém judeus piedosos de todas as nações que há debaixo do céu. Também eles ouviram aquele ruído particular e desconhecido, que os levou a acorrem, eis porque “se reuniu muita gente e maravilhava-se”, porque cada um deles ouvia os apóstolos — que sem medo, tinham saído e continuando a falar em línguas, anunciavam a “Boa Nova do Reino” — “na sua própria língua”.
Milagre do Senhor, que de homens fracos e medrosos, fez homens corajosos e intrépidos, homens que já não tinham medo das represálias dos judeus, homens que tinham palavras persuasivas e cheias de sabedoria que aqueles que os conheciam pensaram mesmo que estivessem embriagados.
Sim, embriagados estavam, não de vinho da videira, mas sim dos Dons do Espírito de Deus que acabavam de receber.
O primeiro discurso de Pedro foi tão persuasivo que os presentes “ao ouvirem essas coisas, ficaram compungidos no íntimo do coração e indagaram de Pedro e dos demais apóstolos: Que devemos fazer, irmãos?
Pedro lhes respondeu: Arrependei-vos e cada um de vós seja baptizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. (Ac. 2, 37-39)
Palavra de consolação agora, para todos nós:
Pois a promessa é para vós, para vossos filhos e para todos os que ouvirem de longe o apelo do Senhor, nosso Deus”. (Ac. 2, 39)
Assim seja.

Nuno Álvares

segunda-feira, 4 de julho de 2011

AOS SURDOS E AOS CEGOS...

“Aquele que tiver ouvidos, oiça!”

Estas são as palavras de Jesus que hoje ouvimos, talvez sem a elas prestarmos a devida atenção. Mas lembremos o que o povo – aquele de que Jesus falava no passado domingo, “os pequeninos”, aqueles que “são mansos e humildes de coração” –, diz e com muita razão: “Não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir”.

É este surdo que não guarda a palavra de Deus, é no seu coração que a semente não dá fruto, porque o seu coração não só é pedregoso, mas é mesmo um rochedo impenetrável, onde nem a água cristalina penetra, tão grandes são a sua impermeabilidade e dureza.

Jesus fala em primeiro lugar de surdos muito particulares, aqueles que ouvindo as Palavras divinas, não prestam a estas a mínima atenção, são daqueles de quem se diz que “as palavras entram por uma orelha e logo saem pela outra”, porque são superficiais: é como se aquelas palavras, aquelas “sementes caíssem à beira do caminho e viessem as aves e as comessem”.

Existem outros surdos que escutam – por ventura menos surdos –, mas nem por isso são suficientemente permissíveis, porque os seus corações vivem outros interesses, buscam outras seduções, as seduções que o mundo lhes oferece e lhes parecem rosas – mesmo se espinhosas – e que eles preferem, por isso mesmo as palavras divinas “logo brotaram, porque a terra era pouco profunda; mas, logo que o sol se ergueu, foram queimadas e, como não tinham raízes, secaram”.

Outros ainda, não completamente surdos, mas por assim dizer impenetráveis ou pouco atraídos pelas divinas Palavras, ouvem sem ouvir: os seus corações estão demasiado virados para os afazeres momentâneos, para as preocupações meramente materiais e neles também a Palavra parece cair como “entre espinhos e, os espinhos cresceram e sufocaram-nas”.

Nestes e nos outros, “cumpre-se a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis; e, vendo, vereis, mas não percebereis. Porque o coração deste povo se tornou duro, e duros também os seus ouvidos; fecharam os olhos, não fossem ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, compreender com o coração, e converter-se, para Eu os curar”.

Foi certamente por causa deste estado dos ”surdos” e até mesmo dos “cegos” que não vêem porque não querem ver que Jesus acrescentou ainda, na explicação que dá aos seus ouvintes de então e a nós também: “àquele que tem, ser-lhe-á dado e terá em abundância; mas àquele que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado”.

Será que vamos continuar surdos à Palavra de Deus? Vamos nós obstinar-nos numa cegueira culpável para nada ver à nossa volta das maravilhas de Deus?

Ouçamos e prestemos atenção à recomendação de Jesus, que se destinava não só àqueles que então o escutavam, mas a nós todos que hoje ouvimos a sua Palavra: “Que tiver ouvidos, oiça!” E ainda, poderia Ele acrescentar: “Quem tem olhos para ver, veja!”

Mas como nós corremos o risco de nada compreendermos, como foi o caso dos seus discípulos, Ele explica com carinho o que nesta parábola Ele nos quer concretamente dizer, porque a nós também “é dado conhecer os mistérios do Reino do Céu”, e porque “ditosos os nossos olhos, porque vêem, e os nossos ouvidos, porque ouvem”:

“Quando um homem ouve a palavra do Reino e não compreende, chega o maligno e apodera-se do que foi semeado no seu coração. Este é o que recebeu a semente à beira do caminho”.

Estes parecem ser aqueles que “são superficiais”, aqueles nos quais as palavras “entram por uma orelha e logo saem pela outra”, aqueles que se deixam facilmente e sem luta, convencer pelas manhas do demónio que muitas vezes nos cega e nos torna surdos.

Jesus explica ainda:

“Aquele que recebeu a semente em sítios pedregosos é o que ouve a palavra e a acolhe, de momento, com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, é inconstante: se vier a tribulação ou a perseguição, por causa da palavra, sucumbe logo”. Estes não serão aqueles que “por ventura são menos surdos”?

“Aquele que recebeu a semente entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo e a sedução da riqueza sufocam a palavra que, por isso, não produz fruto”. São estes os “impenetráveis”, aqueles que nada mais desejam do que os prazeres do mundo, o gozo passageiro contra o gozo eterno, aqueles que se esquecem “que os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória que há-de revelar-se em nós” (Rm. 8, 18).

Pelo contrário, prossegue Jesus explicando: aquele que recebeu a semente em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende: esse dá fruto e produz ora cem, ora sessenta, ora trinta” por cento.

Se assim formos nós, ouviremos da boca do Senhor estas palavras tão cheias de carinho, tão cheias de amor:

“Cuidaste da terra e a tornaste fértil”, “vicejam as pastagens do deserto, as colinas vestem-se de festa”, “os campos cobrem-se de rebanhos e os vales enchem-se de trigais” (Sl 65), vem, bendito de meu Pai, toma posse do Reino que te está preparado desde a criação do mundo” (Mt. 25, 34).

Continuemos o nosso dia a dia, na presença de Deus, seguros do seu Amor, e lembremo-nos o que diz tão justamente São Cirilo de Jerusalém, comentando este Evangelho: Aquilo que foi criado para nós morre e renasce.
Ámen.
Afonso Rocha
Comentário para o XV Domingo do tempo comum da Igreja - A

sábado, 2 de julho de 2011

XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM DA IGREJA

“Vinde a Mim, todos que estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei”

Na primeira frase do Evangelho de hoje encontramos uma frase que pode surpreender à primeira vista: “Escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes”, diz Jesus numa prece que Ele dirige ao seu celeste Pai.
Porque esconder as verdades, se elas são para ser ditas e conhecidas?

Mas o nosso Deus não as escondeu a todos: unicamente “aos sábios e inteligentes”, quer dizer àqueles que pensam tudo saberem, tudo compreenderem e não precisarem das sugestões dos outros, sobretudo se estes “outros” são simples gentes do povo, aqueles que os grandes consideram quase como inúteis, que eles em geral desprezam.

Mas Jesus logo explica o porquê desta sua prece: “e as revelaste aos pequeninos”. Ora estes “pequeninos” são justamente aqueles de que há pouco se falou, aqueles que “são simples gentes do povo”, aqueles que os ricos “consideram quase como inúteis, que eles em geral desprezam”. Foi a esses que o nosso Deus revelou todas estas verdades que acolhidas com humildade e amor, nos levam ao Paraíso onde Deus mora e onde quer que nós habitemos também com Ele.

Esta escolha de Deus agrada ao Filho, porque Jesus logo continua a sua prece fervorosa, agradecendo: “Sim, Pai, Eu Te bendigo, porque assim foi do teu agrado”.

Sejamos destes “pequeninos” aos quais Deus revela as divinas Verdades, aos quais o nosso Deus que é Amor, mostra tanto carinho, tanta solicitude, solicitude tão grande e tão desproporcionada que o levam a querer-nos junto do seu divino Trono para toda a eternidade.
Depois de nos explicar que “ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”, Jesus chama cada um de nós, com carinho, com imensa solicitude e sem qualquer excepção:
“Vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve”.

E porque não iríamos a Ele, nós que O procuramos? Sim, como diz Santo Agostinho, o grande Bispo de Hipona e Padre da Igreja nas suas Confissões: Os que O procuram encontrá-lo-ão, e os que O encontram louvá-lo-ão. Portanto, que eu te procure, Senhor, invocando-te, e que te invoque, acreditando em ti!”

Como não diríamos como o salmista?

“Quero exaltar-Vos, meu Deus e meu Rei, e bendizer o vosso nome para sempre; quero bendizer-Vos, dia após dia, e louvar o vosso nome para sempre”.

Ou ainda, e quase para terminar:

“O Senhor é fiel à sua palavra e perfeito em todas as suas obras. O Senhor ampara os que vacilam e levanta todos os oprimidos”.

Simplesmente porque “o Senhor é clemente e compassivo, paciente e cheio de bondade. O Senhor é bom para com todos e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas”.

Todas estas características divinas devem ser para nós fermento que levante a nossa massa espiritual e que esta seja capaz de agradecer e de proclamar como o mesmo salmista:

“Graças Vos dêem, Senhor, todas as criaturas e bendigam-Vos os vossos fiéis. Proclamem a glória do vosso reino e anunciem os vossos feitos gloriosos”.

Amém

Afonso Rocha