terça-feira, 10 de março de 2020

JESUS E A SAMARITANA


“Se conhecesses o dom de Deus”

Na primeira leitura de hoje encontramos uma queixa que é comum a todos aqueles que não sabem esperar a hora de Deus e se queixam, como os judeus, porque pensam que o Senhor os esqueceu:
«Porque nos tiraste do Egipto? Para nos deixares morrer à sede, a nós, aos nossos filhos e aos nossos rebanhos?».
Dizer que temos a cabeça dura é o mínimo que se possa dizer de cada um de nós, sobretudo daqueles que se impacientam facilmente, o que leva os nossos verdadeiros pastores a perguntarem ao Senhor nosso Deus, como o fez Moisés:
«Que hei de fazer a este povo? Pouco falta para me apedrejarem».
E nós, pobres pecadores seríamos capazes disso e talvez de muito mais, porque a nossa sede rapidamente se transforma em cegueira furiosa, capaz das maiores barbaridades, dos maiores excessos.
E mesmo quando Deus mata a nossa sede, ficamos furiosos, porque Ele tardou em ouvir-nos, como se nós mesmos fôssemos os mestres de Deus…
Sejamos humildes e reconheçamos, não somente a nossa miséria, mas também o nosso nada e deixemos ao Senhor o cuidado de agir por nós em seu tempo.
Como no-lo recomenda o salmista «prostremo-nos em terra, adoremos o Senhor que nos criou. Pois Ele é o nosso Deus, e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.»
No Evangelho de hoje (Jo.4,5-42), São João conta-nos um encontro bem particular entre Jesus e uma samaritana.
O evangelista começa por descrever o palco onde a cena se vai realizar:
«Chegou Jesus a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, junto da propriedade que Jacob tinha dado a seu filho José, onde estava o poço de Jacob. Jesus, cansado da caminhada, sentou-Se à beira do poço. Era por volta do meio-dia.»
Se Ele se sentou à beira do poço foi porque tinha sede, sobretudo àquela hora do dia. O poço, como todos os poços devia ter um balde e uma corda para tirar água, mas Jesus sabia o que ia acontecer e esperou que alguém viesse.
«Veio uma mulher da Samaria para tirar água. Disse-lhe Jesus: “Dá-Me de beber”».
Jesus estava só, porque «os discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos.»
Entre samaritanos e judeus as relações eram difíceis e por isso mesmo aquele encontro que parecia improvável nos interpela, como interpelou a samaritana.
«Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber, sendo eu samaritana?».
Jesus não vai responder a esta pergunta, mas começar a tocar o coração daquela mulher cuja vida nada tinha de exemplar:
«Disse-lhe Jesus: “Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: ‘Dá-Me de beber’, tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva”.»
Estranha maneira de pedir de beber! A samaritana, talvez um pouco trocista, ousa perguntar:
«Senhor, Tu nem sequer tens um balde, e o poço é fundo: donde Te vem a água viva? Serás Tu maior do que o nosso pai Jacob, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu, com os seus filhos e os seus rebanhos?»
De novo, esquivando a pergunta da mulher, Jesus responde com doçura:
«Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede. Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma nascente que jorra para a vida eterna.»
Esta afirmação de Jesus despertou na mulher, não um princípio de conversão mais um interesse temporal:
«Senhor, – suplicou a mulher – dá-me dessa água, para que eu não sinta mais sede e não tenha de vir aqui buscá-la.»
Como anteriormente, Jesus não responde a este desejo natural da mulher, mas diz-lhe: «Vai chamar o teu marido e volta aqui».
Este pedido certamente que envergonhou a samaritana que logo procura justificar-se, dizendo a verdade: «Não tenho marido.»
Desta vez Jesus não esquiva, mas ensina, provoca:
«Disseste bem que não tens marido, pois tiveste cinco, e aquele que tens agora não é teu marido. Neste ponto falaste verdade».
A mulher é surpreendida pela afirmação de Jesus e compreende que se encontra face a um homem que sabe de tudo e responde, provavelmente com uma certa timidez:
«Senhor, vejo que és profeta. Os nossos antepassados adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar».
A mulher, talvez já um pouco “baralhada” acabou por dizer, demonstrando que conhecia um pouco as Escrituras:
«Eu sei que há de vir o Messias, isto é, Aquele que chamam Cristo. Quando vier, há de anunciar-nos todas as coisas».
E aquilo que ela não esperava vai acontecer, porque Jesus lhe declara:
«Sou Eu, que estou a falar contigo».
Nesse mesmo momento chegaram os discípulos e ficaram admirados que Jesus falasse com uma samaritana, mas não fizeram perguntas.
Entretanto aquela mulher, como arrebatada por uma alegria súbita, deixou a bilha na borda do poço e correu para a cidade, chamar os habitantes. Para os convencer rapidamente, disse-lhes:
«Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não será Ele o Messias?».
De facto muitos vieram. Jesus falou para eles com doçura e pertinência, o que os levou a pedir-lhe que ficasse com eles. Jesus aceitou e ficou três dias naquela cidade, continuando o seu apostolado: o anúncio da Boa nova do Reino.
Peçamos nós também que Jesus fique connosco e nos ensine a amá-lo e a segui-lo passo a passo, mesmo no nosso caminho do calvário quotidiano, porque não há amor sem dor.
Ouçamos também a sua voz que aos nossos ouvidos murmura: «Se conhecêsseis o dom de Deus!» Amém.
(Afonso Rocha: Comentário para o terceiro domingo da quaresma).

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